UM FIO DE BIGODE
ANO 01 – Nº 264
Estava desejoso de comprar uma coleção de comentários bíblicos de uma famosa editora espanhola. Porém, meus recursos financeiros de estudante de teologia não comportavam uma compra, a vista, naquele valor. A minha renda era resultado de uma espécie de estágio remunerado que realizava no próprio seminário. Por outro lado, naquela época, os livros importados eram escassos e caros, mas o desejo era muito maior do que todas as barreiras que se interpunham entre esse desejo e a compra. Desci o morro e apanhei o bonde Petrópolis em direção ao centro da cidade.
Fui recebido pelo livreiro e logo expliquei o que desejava. Para minha alegria ele respondeu que ainda tinha um último exemplar daquela coleção e que estava encerrando as importações em virtude dos impostos muito caros. Pensei rápido: “é agora ou nunca mais!”. Respondi na ponta da língua: “eu vou ficar com ela, mas não tenho como lhe pagar a vista, o senhor pode me parcelar?”. Claro, disse o livreiro, posso te parcelar em até seis prestações. Foi ao fundo da livraria e retornou com os seis grossos volumes, embalou-os num papel pardo e resistente e fez dois pacotes atados com cordões para que eu pudesse carregar. Fizemos as contas e eu paguei a primeira parcela em dinheiro. Fique esperando para assinar os documentos que selariam meu compromisso com as demais prestações. Ele me cumprimentou e me desejou um ótimo trabalho exegético. Intrigado, perguntei se não havia promissórias para que eu assinasse. O livreiro me olhou nos olhos e disse: “se vais me pagar não é necessário assinaturas, se não vais, as assinaturas também não vão adiantar nada!”. Saí da livraria lépido e faceiro e paguei todas as parcelas antes do vencimento.
Depois fiquei pensando naquela expressão do livreiro, dita em 1969, um tempo em que promissórias e contratos já serviam, há muito tempo, como garantia de negócio. Quando encontrei os colegas contei que havia comprado aquela coleção com um fio de bigode.
Passados quarenta e dois anos, jamais esqueci aquela compra. A coleção está desatualizada, mas ocupa um lugar especial na minha estante. Aprendi demais com aquele livreiro para me desfazer desses livros. O que garante qualquer compromisso não são as assinaturas, as promissórias, os contratos bem elaborados, as citações de artigos das leis e dos regulamentos de ética. Se não houver caráter, tudo o mais pode ser contestado e qualquer compromisso, por mais bem afiançado que seja, pode ser fraudado.
Aquela expressão do livreiro é a mais pura verdade que pude confirmar no decorrer do meu existir, em diversas circunstâncias.
Com os votos de uma ótima quarta-feira!
DESTAQUE DO DIA
Dia do Teólogo
Teologia[1] (do grego θεóς, transl. theos = "divindade" + λóγος, logos = "palavra", por extensão, "estudo", análise, consideração, questionamento sobre alguma coisa ou algo). No sentido literal é o estudo sobre deuses.
A origem histórica do termo em questão nos remete à Hélade, também chamada de Grécia Antiga. Era utilizada inicialmente para descrever o trabalho de muitos poetas, que tentavam dar uma noção de como eram os deuses. Os teólogos eram os que faziam poesias sobre os deuses e sobre seus feitos, suas virtudes, suas emoções, sua vida particular e também seus vícios e erros. Entretanto, não era uma análise sobre os deuses e, sim, uma narração dos feitos deles que se pareciam com os feitos humanos e as virtudes dos mesmos. Somente na Idade Medieval é que o termo deixou de lado o conceito poético e passou a ser considerado como assunto de inquirição existencial e filosófica.
Partindo do princípio da definição hegeliana do termo "Teologia", a teologia é o estudo das manifestações sociais de grupos em relação às divindades. Como toda área do conhecimento, possui então objetos de estudo definidos. Como não é possível estudar Deus diretamente, como sugere o termo literalmente observado, a definição de Hegel que, somente se pode estudar aquilo que se pode observar se torna pertinente e atual, conforme as representações sociais nas mais variadas culturas.
Minha homenagem aos teólogos e teólogas de todas as religiões!